Doença de Alzheimer: novos critérios diagnósticos

O diagnóstico de demência e doença de Alzheimer (DA) em nosso meio tem sido feito nas últimas três décadas com base nos critérios do NINCDS-ADRDA (National Institute of Neurological and Communicative Disorders and Stroke e Alzheimer´s Disease and Related Disorders Association)1. Esses critérios, muito embora publicados nos Estados Unidos da América, têm sido utilizados em larga escala no mundo todo, inclusive no Brasil, desde 1984, ano de sua publicação. Apresentam confiabilidade para o diagnóstico de Provável DA, e por muitos trabalhos clinicopatológicos demonstram uma sensibilidade de 81% e especificidade de 70%2, sendo amplamente utilizados tanto em pesquisas clínica e epidemiológica quanto na prática clínica de médicos e pesquisadores.

Entretanto, após duas décadas e meia, esses critérios precisavam ser revistos. Com isso, a comunidade científica novamente se reuniu e publicou três artigos

que poderão ser utilizados a partir de agora na caracterização de fases pré-clínicas e de comprometimento cognitivo leve (CCL), do processo fisiopatológico que envolve a DA, além do enfoque deste capítulo, que são os Critérios Diagnósticos para a doença de Alzheimer3,4,5. O conhecimento desta área aumentou de maneira expressiva nesse período, com significativo conhecimento biológico e das manifestações clínicas da doença, levando a discussões de alguns pontos do critério anterior que necessitariam de uma revisão.

São eles:

a. O fato de a patologia da DA ser encontrada em todo o espectro clínico da doença, incluindo pacientes com demência manifestada clinicamente, com CCL, e também em pacientes cognitivamente normais.

b. Reconhecimento de diagnósticos diferenciais das demências, com suas especificidades, e que não foram totalmente incluídos nos critérios anteriores. Por exemplo, demência com corpos de Lewy (DCL), demência vascular (DV), variante comportamental da demência frontotemporal (DFT) e afasia progressiva primária (APP) têm sido caracterizadas mais recentemente.

c. Ausência de estudos com ressonância magnética, emissão de pósitrons e fótons (PET e SPECT) e biomarcadores do líquido cerebrorraquidiano (LCR). Os estudos iniciais para incorporar biomarcadores no diagnóstico de CCL e DA ainda necessitam de um melhor entendimento do processo diagnóstico.

d. A necessidade de o comprometimento de memória ser um critério essencial em todos os pacientes com DA. Já se sabe que existem muitas outras apresentações de demências não amnésticas, e com patologia de DA, como a síndrome de atrofia cortical posterior e a APP.

e. Ausência de informação de genética de DA. Mutações em três genes conhecidos podem causar DA autossômica dominante, de início precoce.

f. Proposta de idades de corte para o diagnóstico de DA. O processo patológico na DA em pacientes com menos de 40 anos, embora muito raro, e em pacientes com mais de 90 anos, cada vez mais frequente, não difere dos pacientes na faixa etária mais comum.

g. Heterogeneidade grande no que se diagnosticava como Possível DA, incluindo um grupo de pacientes que hoje pode ser classificado como CCL. Com isso, foram propostos novos critérios para diagnóstico de demências (todas as causas) e também para a doença de Alzheimer, incorporando novos conhecimentos na abordagem clínica, de imagem e laboratorial, com o cuidado tomado para que fossem flexíveis o suficiente para serem usados tanto pelo generalista, sem acesso à avaliação neuropsicológica, imagem sofisticada ou medidas do LCR, quanto pelo investigador especializado, trabalhando na pesquisa ou em ensaios clínicos, com acesso a todas essas medidas. Também em 2011, a Academia Brasileira de Neurologia (ABN), por meio de seu Departamento Científico de Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento, reuniu, em São Paulo, cerca de 50 profissionais das áreas de neurologia, psiquiatria, geriatria, radiologia, genética, psicologia e fonoaudiologia, para uma revisão do que havia sido publicado em 2005 como recomendações para o diagnóstico e tratamento da DA, também motivados pelo número de publicações e de conhecimento crescente em nosso meio, tornando-se necessário que fossem incorporadas as nossas próprias opiniões e diferenças quanto à nossa população, nessa área específica6,7.

Incluímos abaixo as recomendações para diagnóstico de demência e de doença de Alzheimer sugeridas pelas “Recomendações em Alzheimer” da ABN – DCNCE de 2011:

I – CRITÉRIOS DE DEMÊNCIA (TODAS AS CAUSAS):

PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS.

1. Demência é diagnosticada quando há sintomas cognitivos ou comportamentais

(neuropsiquiátricos) que:

1.1. interferem na habilidade no trabalho ou em atividades usuais;

1.2. representam declínio em relação a níveis prévios de funcionamento e desempenho;

1.3. não são explicáveis por delirium (estado confusional agudo) ou doença psiquiátrica maior.

2. O comprometimento cognitivo é detectado e diagnosticado mediante combinação de:

2.1. anamnese com paciente e informante que tenha conhecimento da história;

2.2. avaliação cognitiva objetiva, mediante exame breve do estado mental ou avaliação neuropsicológica. A avaliação neuropsicológica deve ser realizada quando a anamnese e o exame cognitivo breve realizado pelo médico não forem suficientes para permitir diagnóstico confiável.

3. Os comprometimentos cognitivos ou comportamentais afetam no mínimo dois dos seguintes domínios:

3.1. memória, caracterizado por comprometimento da capacidade para adquirir ou evocar informações recentes, com sintomas que incluem repetição das mesmas perguntas ou assuntos e esquecimento de eventos, compromissos ou do lugar onde guardou seus pertences;

3.2. funções executivas, caracterizado por comprometimento do raciocínio, da realização de tarefas complexas e do julgamento, com sintomas como compreensão pobre de situações de risco e redução da capacidade de cuidar das finanças, de tomar decisões e de planejar atividades complexas ou sequenciais;

3.3. habilidades visuais-espaciais, com sintomas que incluem incapacidade de reconhecer faces ou objetos comuns e de encontrar objetos no campo visual, dificuldade para manusear utensílios e para vestir-se, não explicáveis por deficiência visual ou motora;

3.4. linguagem (expressão, compreensão, leitura e escrita), com sintomas que incluem dificuldade para encontrar e/ou compreender palavras e erros ao falar e escrever, com trocas de palavras ou fonemas, não explicáveis por déficit sensorial ou motor;

3.5. personalidade ou comportamento, com sintomas que incluem alterações do humor (labilidade e flutuações incaracterísticas), agitação, apatia, desinteresse, isolamento social, perda de empatia, desinibição e comportamentos obsessivos, compulsivos ou socialmente inaceitáveis.

II – DEMÊNCIA DA DOENÇA DE ALZHEIMER:

CRITÉRIOS CLÍNICOS CENTRAIS

1. Demência da doença de Alzheimer provável

Preenche critérios para demência e tem adicionalmente as seguintes características:

1.1. Início insidioso (meses ou anos).

1.2. História clara ou observação de piora cognitiva.

1.3. Déficits cognitivos iniciais e mais proeminentes em uma das seguintes categorias:

• apresentação amnéstica (deve haver outro domínio afetado);

• apresentação não amnéstica (deve haver outro domínio afetado);

• linguagem (lembranças de palavras);

• visual-espacial (cognição espacial, agnosia para objetos ou faces, simultaneoagnosia, e alexia);

• funções executivas (alteração do raciocínio, julgamento e solução de problemas).

1.4. Tomografia ou, preferencialmente, ressonância magnética do crânio deve ser realizada para excluir outras possibilidades diagnósticas ou comorbidades, principalmente a doença vascular cerebral.

1.5. O diagnóstico de demência da DA provável não deve ser aplicado quando houver:

• evidência de doença cerebrovascular importante definida por história de AVC temporalmente relacionada ao início ou piora do comprometimento cognitivo; ou presença de infartos múltiplos ou extensos; ou lesões acentuadas na substância branca evidenciadas por exames de neuroimagem;

• características centrais de demência com corpos de Lewy (alucinações visuais, parkinsonismo e flutuação cognitiva);

• características proeminentes da variante comportamental da demência frontotemporal (hiperoralidade, hipersexualidade, perseveração);

• características proeminentes da afasia progressiva primária manifestando-se como a variante semântica (também chamada demência semântica, com discurso fluente, anomia e dificuldades de memória semântica), ou como a variante não fluente, com agramatismo importante;

• evidência de outra doença concomitante e ativa, neurológica ou não neurológica, ou de uso de medicação que pode ter efeito substancial sobre a cognição. Os seguintes itens, quando presentes, aumentam o grau de confiabilidade do diagnóstico clínico de demência da DA provável:

• evidência de declínio cognitivo progressivo, constatada em avaliações sucessivas;

• comprovação da presença de mutação genética causadora de DA (genes da APP e presenilinas 1 e 2);

• positividade de biomarcadores que reflitam o processo patogênico da DA (marcadores moleculares através de PET ou liquor, ou neuroimagem estrutural e funcional).

A ocorrência de um desses itens confirma a existência de um mecanismo degenerativo, apesar de não ser específico da DA.

2. Demência da doença de Alzheimer possível

O diagnóstico de demência da DA possível deve ser feito quando o paciente preenche os critérios diagnósticos clínicos para demência da DA, porém apresenta alguma das circunstâncias abaixo:

2.1. Curso atípico: início abrupto e/ou padrão evolutivo distinto daquele observado usualmente, isto é, lentamente progressivo.

2.2. Apresentação mista: tem evidência de outras etiologias conforme detalhado no item 1.5 dos critérios de demência da DA provável (doença cerebrovascular concomitante, características de demência com corpos de Lewy, outra doença neurológica ou uma comorbidade não neurológica ou uso de medicação que possa ter efeito substancial sobre a cognição).

2.3. Detalhes de história insuficientes sobre instalação e evolução da doença.

3. Demência da doença de Alzheimer definida

Preenche critérios clínicos e cognitivos para demência da DA, e exame neuropatológico demonstra a presença de patologia da DA segundo os critérios do NIA e do Reagan Institute Working Group.

Comentários do autor:

Os novos critérios da DA representam um avanço importante para os pesquisadores desta área, pois incluem uma boa porcentagem dos conhecimentos que surgiram nas últimas quase três décadas. A possibilidade de fases pré-clínica e de CCL devido à DA abre uma possibilidade importante em termos de desenvolvimento de consolidação de biomarcadores (LCR e neuroimagem) serem associados à prática clínica e a chance de avaliação de novas drogas para tratamento de pacientes que se apresentem em um espectro grande da doença. As recomendações da ABN-DCNCE 2011 surgiram como resultado de solicitação dos profissionais brasileiros diante das dificuldades e características de nossa população. Nos atuais critérios de demência, não existe mais a obrigatoriedade do comprometimento de memória exigido por critérios anteriores, possibilitando incluir outras demências (DFT, DV) sob a designação de demência. No critério atual, o diagnóstico de DA e demência somente necessita de confirmação por meio de avaliação neuropsicológica quando a anamnese e a avaliação cognitiva realizada pelo médico forem insuficientes para o diagnóstico. Nas recomendações brasileiras, há necessidade de exame de imagem, tomografia de crânio ou, preferencialmente, ressonância magnética de crânio, para diagnóstico diferencial. A inclusão de biomarcadores foi recomendada somente para pesquisa, havendo necessidade de padronização para esses testes, inclusive para o nosso meio. Ainda temos muito a caminhar nesse campo, porém este capítulo mostra o pensamento científico atual no Brasil e de fora, com expectativa que possamos ser úteis na pesquisa clínica e também na prática diária.

 

Autor: Ivan Hideyo Okamoto

 

Referências bibliográficas:

1. McKahann G, Drachman D, Katzman R, et al. Clinical diagnosis of Alzheimer´s disease: report of the NINCDS-ADRDA work group under the auspices of Department of Health and Human Services Task Force on Alzheimer´ s Disease. Neurology 1984;34:934-944.2. Knopman DS, DeKosky ST, Cummings JL, et al. Practice parameter: diagnosis of dementia (an evidence-based review). Neurology 2001;56:1143-1153.

3. Albert MS, DeKosky ST, Dickson D, et al. The diagnosis of mild cognitive impairment due to Alzheimer’s disease: recommendations from the National Institute on Aging and Alzheimer’s Association workgroup. Alzheimer’s & Dementia 2011 in press.

4. McKhann GM, Knopman DS, Chertkow H, et al. The diagnosis of dementia due to Alzheimer’s disease: recommendations from the National Institute on Aging and Alzheimer’s Association workgroup. Alzheimer’s & Dementia 2011 in press.

5. Sperling RA, Aisen PS, Beckett LA, et al. Toward defining the preclinical stages of Alzheimer’s disease: recommendations from the National Institute on Aging and Alzheimer’s Association workgroup. Alzheimer’s & Dementia 2011 in press.

6. Frota NAF, Nitrini R, Damasceno BP, et al. Critérios para o diagnóstico de doença de Alzheimer. Dement Neuropsychol 2011;5:5-10.

7. Caramelli P, Teixeira AL, Buchpiguel CA, et al. Diagnóstico de doença de Alzheimer no Brasil: exames complementares. Dement Neuropsychol 2011;5:11-20.